Evanilde Miranda
Graduanda em
Comunicação Social/Jornalismo – UFMA
Graduanda em
Letras - UEMA
A internet é uma poderosa ferramenta
de comunicação, que propicia diversas ações, desde pesquisas, estudos,
divulgação de serviços e o simples entretenimento. Porém, esta também
possibilita a prática ilícita, e muitos insistem em usá-la para esse mal, em
crimes contra a honra, injúria, calúnia, difamação e violação da privacidade, com
conteúdos impróprios que caracterizam constrangimentos para outros. São
delicados e ainda difícil de serem controlados, em razão das façanhas de
usuários, o que desencadeia conflitos em relação à ética, à lei, e à própria
liberdade de imprensa. Isto promove o questionamento se seria realmente
possível ética na internet.
Conforme o Dicionário Aurélio
Buarque de Holanda, Ética é "o estudo dos juízos de apreciação que se
referem à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e
do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto”.
A
expressão “conduta suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do
mal” sugere um certo relativismo, colocando o ponto de vista como o
determinante para o que será ou não aceita como ação ética. Esta é também
comumente associada ao conceito de moral.
Alguns
estudiosos apresentam esses dois termos como tendo sentidos distintos, de
maneira que moral tem a ideia de conjunto de normas pertinentes à formação do
indivíduo, e ética, um caráter teórico cujo objeto seria o juízo de valor das
ações como boas ou más. Desse modo,
enquanto a primeira aduz à constância e norma (imperativo/obrigação), a segunda
é episteme e questiona as finalidades e o consenso em relação aos fundamentos
da existência. Portanto, ética está relacionada a princípios com certa
universalidade e permanência, em divergência com a moral, que assume um aspecto
temporário, por está mais ligada a costumes.
Etimologicamente,
no grego a palavra éthos está relacionada a costumes, similar a mores
(moral). A definição ou conceito de ética sob a ótica filosófica é bem
divergente, pois as várias correntes filosóficas trazem abordagens díspares.
Para Espinosa ética não tem forma normativa, não influencia nas regras de
condutas dos indivíduos, assim, se mostra distinta e independente de moral. Já
para Kant, ética tem o caráter normativo, possui deveres e obrigações, e é essa
visão de ética que é muito forte nos princípios jornalísticos. O jornalista
Eugênio Bucci afirma, que de modo geral, as correntes filosóficas necessitam de
uma teoria como base que sustente a racionalidade, a liberdade e a
responsabilidade do sujeito, tendo suas palavras e ações medidas e aceitas
pelos demais. Nesse aspecto, percebe-se que embora ambas, moral e ética, sejam
distintas, são necessariamente próximas ou dependentes uma da outra.
[...]
“a ação só é ética se realizar a natureza racional, livre e responsável do
agente e se o agente respeitar a racionalidade, liberdade e responsabilidade
dos outros agentes, de sorte que a subjetividade ética é uma
intersubjetividade”. A conduta ética é fruto da decisão do agente – é por ter
racionalidade e liberdade, ou por ter o “livre-arbítrio”, como prega a tradição
cristã, que ele é o senhor dos seus atos – mas essa decisão individual tem
lugar na sociedade (BUCCI, 2000, p.17).
Assim,
“o caráter do homem é o seu deus ou seu demônio”, quando o homem desfruta de
sua autonomia, mas também está preso aos valores sociais que representam a
heteronomia, a partir de julgamentos de ações boas ou más. Isto remete à ideia
de ética abordada pelo professor, jornalista e escritor Muniz Sodré, que toda
educação implica fundamentalmente uma ética, tendo em vista a organização, as
finalidades e os objetos consensuais das ações, tanto individuais quanto
coletivas. E nesse aspecto se percebe
também a moral, implícita no imperativo das normas.
A
internet como um meio de propagação de informações dos mais diversos tipos e
com variados tipos de usuários, não está isenta do cumprimento de regras de
condutas impostas pela sociedade, e tal fato gera polêmicas quanto à liberdade
de imprensa e de expressão. Todavia, é preciso lembrar que a liberdade não é
absoluta, mas regulada. Ester Kosoviski menciona, em Ética na Comunidade,
dois termos para tentar diferenciar o significado de liberdade: “freedom” e
“liberty”. A primeira está ligada à liberdade individual, enquanto a segunda
está para a pública, institucional e privada.
Partindo
desse pressuposto, a liberdade de informar ou de expressar algo deve ser realizada
sempre com respeito ao outro, de modo a evitar conflitos em relação ao direito
à privacidade. Porquanto é bastante necessário que haja senso ético e
sensibilidade, uma vez que a privacidade é um bem jurídico, tutelado tanto pela
constituição quanto pelo código penal.
A
liberdade de expressão é um direito reconhecido, desde 1776 na Declaração da
Virginia, e tem como sustentação a liberdade de imprensa, tendo a liberdade
como algo que nunca poderá ser cerceado. A Declaração Universal de Direitos
Humanos de 1948, aprovada pelas Nações Unidas, dispõe no artigo XIX, que “Todo
homem tem direito a liberdade, sem interferências, de ter opiniões e de
procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e
independente de fronteiras”.
O
sentido “liberty”, mencionado por Kosoviski, está expresso na liberdade de
imprensa, no direito de informar, mas sempre com responsabilidade, respeitando
o “freedom”, a liberdade do direito à privacidade. Pois conforme Bucci, “a
liberdade de imprensa é um princípio inegociável, ele existe para beneficiar a
sociedade democrática em sua dimensão civil e pública” (2000, p.12), por isso é
extremamente necessário esse senso de responsabilidade social ao exercer a
liberdade de imprensa.
Nossa
constituição de 1988, dispõe no artigo 5º e inciso X: São invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação.
Assim, a liberdade de expressão é subordinada à privacidade do outro, ao
respeito e a responsabilidade social. Isto implica discernimento dos limites
entre autonomia e heteronomia.
A
expansão das tecnologias resultou na disseminação da informática e multiplicou
a utilização da internet, porquanto muitos fatores suscitam maior preocupação
com a informação, como a facilidade no cruzamento de dados, que constroem
perfis detalhados de praticamente qualquer pessoa, mesmo sem o consentimento
dela.
Em razão dessas muitas transformações
tecnológicas sentidas pela internet, o tratamento da informação gira em torno
dos conflitos entre privacidade e imprensa, com isso, é necessário compreender
como a rede é organizada, a fim de discutir de que modo a violação à
privacidade se dá. A rapidez da propagação simultânea da informação a diversos
países com leis diferentes, é preocupante por dificultar o controle dos
conteúdos divulgados. Nesse caso, a
própria estrutura da rede, por ser muito aberta, é de modo paradoxal, positiva
e também negativa.
Na internet o tratamento à
privacidade dá-se de forma equivalente ao da imprensa no que diz respeito à
revelação de fatos privados e ao uso de métodos ilícitos para coleta de
informações. Assim, a violação à privacidade, na internet, se configura a
partir da divulgação de “dados ou fatos que atentem contra a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem de uma pessoa. Tal divulgação poderá ser feita por
um “site”, por correio eletrônico ou por arquivo disponível para cópia” (LINS,
2000, p.7).
Mas nem sempre os sites parecem compreender a
gravidade desse ato ilícito e a necessidade de limites para a harmonia virtual
e social, pois a informação é fortemente usada para fins particulares, com
interesses comerciais, como é perceptível nos sites de fofocas, que se alimentam
da intimidade das chamadas “celebridades”. Portanto, uma reflexão sobre a
[in]existência da ética na internet é bastante pertinente.
A
página da Uol do dia 20 de junho de 2012, com link intitulado: veja-famosos-que-foram-pegos-em-flagras-indiscretos,
traz muitas fotos e vídeos de personalidades públicas flagradas em momentos
constrangedores. Uma figura muito comum nesse ramo do entretenimento baseado na
vida privada das pessoas, é o chamado paparazzo, que em geral, tem a função de
conseguir imagens sensacionalistas em troca de dinheiro. É relevante ressaltar
a dessemelhança entre essa figura e o jornalista. O paparazzo age como uma
espécie de detetive e muitas vezes não mede esforços para conseguir o que quer.
Já o jornalista, é subordinado a regras de condutas, e seu objetivo deve sempre
se pautar na informação noticiosa e no interesse público.
De
acordo com Clotilde Tavares, no texto “O primeiro paparazzo”, publicado na
Tribuna do Norte em 27 de dezembro de 2006, o nome surgiu em Roma, em 1958, quando
Tazio Secchiaroli, fotógrafo e sócio da agência Press Fotos, começou a
fotografar os astros de Hollywood na Via Vineto, um point de festas. Suas
fotos fora do convencional lhe renderam fama e seu estilo ficou conhecido como
“foto d’assalto”. Em 1960, foi procurado pelo diretor de cinema Federico
Fellini, que estava filmando “La Dolce Vita. O termo surge quando Fellini
apelida Tazio de “paparazzo”, o sobrenome de um dos personagens do filme, que
também era um fotografo indiscreto. Desse modo, é perceptível, desde o início,
que o paparazzo assume funções, interesses e posturas dessemelhantes das do
jornalista. O primeiro se atém ao entretenimento e com isso entra em constante
conflito com a liberdade de expressão e o direito à privacidade. O segundo, age
com senso ético, respeitando os limites da liberdade de informar, a fim de não violar
a privacidade individual, visto que a ausência desses limites causa danos,
muitas vezes, irreparáveis.
18 de setembro de 2006 – Cai na net o vídeo de
Daniella Cicarelli fazendo sexo
Em 17 de setembro de 2006 o paparazzi Miguel
Temprano filma e divulga no canal Dolce Vita, na rede Espanhola Telecinco, o
vídeo de Daniella Cicarelli e o então namorado Renato Malzoni, em momentos
íntimos na praia de Cádiz, na Espanha. No dia seguinte, o vídeo cai na net, ganhando
proporção internacional, embora Daniella tenha tentado impedir que a exibição
chegasse ao Brasil. Sentindo-se lesada moralmente, dois dias depois, ela e o
namorado entram com uma ação na 23ª Vara Cível de
São Paulo para impedir a divulgação das imagens não autorizadas. O desembargador
Ênio Santarelli Zuliani, do Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu que a
divulgação ofendeu direitos como honra, recato, privacidade e intimidade e
concedeu liminar a favor da retirada das imagens, ainda no mês de setembro.
A reportagem do Jornal da Globo do dia 9 de
janeiro de 2007, inicia com a frase “as travessuras amorosas de uma modelo
brasileira e seu namorado, na Espanha, colocaram o Brasil na lista dos países
que censuram a internet...”. A Justiça
paulista determinou que os provedores deveriam tirar do ar o portal de vídeos
YouTube. A polêmica em torno do bloqueio temporário de um dos sites mais
acessados, rendeu protestos, pois para muitos, o ato restringiu a liberdade de
expressão, em virtude da censura de cerca de 5 milhões de usuários.
O desembargador Zeliani determinou que os sites
colocassem filtros na solicitação de acesso ou na entrada de acesso no web site
americano. Entretanto, o presidente da Associação Brasileira de Provedores, Antônio
Tavares, afirmou que se o desembargador intentava apenas proibir a exibição do
vídeo, ele não entendeu direito como funciona a internet, visto que era
necessário o bloqueio do site e não do filtro. “...apenas num filminho de 2
minutos e pouco que está no contexto de numa máquina que tem gigabyte de
informações, é absolutamente impossível. Ao bloquear o número de IP, você
bloqueia todo o conteúdo que vem dessa máquina”. O especialista
em Direito da Informática, Marco da Costa, considerou negativo o resultado da
ação, e diz que o site não se restringe ao vídeo em questão, que o site é
consagrado no mundo inteiro exatamente pela quantidade de imagens que veicula.
Para ele, a consequência é “impedir que o brasileiro acesse informações
importantes de outros países, inclusive de natureza cultural”.
A
liminar desencadeou discussões sobre ofensa ao interesse público e
impossibilidade de acesso à informações em razão de um único vídeo. O fato foi
alvo de muita pressão por parte da mídia e de internautas. Se sentido
pressionada depois de um protesto em frente à MTV, que exigia sua demissão,
Cicarelli pede desculpas, publicamente, pelo bloqueio temporário do YouTube.
Também emite um comunicado explicando que não foi a responsável pelo bloqueio.
O
procedimento ético na tentativa de solucionar esse impasse foi regido por
interesses, pois em se tratando de um anônimo nas mesmas circunstâncias o fato não
geraria tamanha repercussão e não teria o poder de bloquear um site de renome. Onde
se pode vislumbrar ética na história desse “crime delicado”?
Os usuários do site YouTube insistiram na postagem
camuflada do vídeo. Os internautas que acessavam o “vídeo-romance”
deixavam comentários desrespeitosos, com termos de baixo-calão, expressões
obcenas e insultos à modelo. Um dos canais tem como autor da postagem, um
garoto de 15 anos. Os internautas não foram éticos, assim como os donos dos
canais, que não controlaram o tipo de comentário. Faltou ética também por parte
de Cicarelli, que não zelou por sua própria privacidade em um local público.
Como alguém pode esperar que respeitem sua privacidade quando ele próprio não o
faz?
Bucci
(2000) diz que quem transforma seus namoricos em notícia, não tem razão para
exigir que seus flertes não sejam noticiados, porque sua vida privada deixou de
ser apenas privada. Claro, que isto não exime o erro do paparazzo, mas o
posicionamento das celebridades pode contribuir para a violação de sua
privacidade.
E
quanto ao paparazzo em questão, não restam dúvidas a respeito da falta de
ética. Esse trabalho em si, já não evoca muito um caráter ético, por está
extremamente ligado ao sensacionalismo. E quando o paparazzo se declara
jornalista?
No
site da Folha Uol, o paparazzo Miguel Temprado conta os detalhes do processo de
filmagem do vídeo de Cicarelle. O namoro que durou 23 minutos, foi gravado a cerca
de 110 metros e gerou o “vídeo-romance” de pouco mais de 4 minutos.
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